Ler em voz alta para uma criança é um gesto aparentemente simples. Um adulto, um livro e uma voz que ganha vida ao transformar palavras em histórias. No entanto, por detrás desse momento existe um mundo de benefícios emocionais, cognitivos e relacionais que a ciência tem vindo a comprovar e que muitas famílias, sem se aperceberem, já colocam em prática no dia a dia.

A leitura em voz alta é, antes de mais, um espaço de ligação. Quando um adulto lê para uma criança, está a dizer-lhe, de forma implícita, “estou aqui contigo”, “este momento é só nosso”. Esta presença plena é cada vez mais rara num quotidiano preenchido por ecrãs, pressas e agendas apertadas. Por isso, o tempo dedicado a ler em conjunto torna-se também tempo de qualidade — aquele que realmente fica na memória da criança.

A ciência tem reforçado a importância destes momentos. A American Academy of Pediatrics recomenda que a leitura em voz alta comece logo nos primeiros meses de vida. Mesmo quando o bebé ainda não compreende as palavras, está a construir associações importantes com a linguagem: os sons, os ritmos, as entoações. Está também a perceber que ler é uma atividade partilhada, com valor emocional e afetivo (High et al., 2014).

À medida que a criança cresce, os benefícios multiplicam-se. Um estudo longitudinal da Universidade de Melbourne, que acompanhou mais de 4.000 crianças ao longo de vários anos, concluiu que aquelas que foram expostas regularmente à leitura em voz alta apresentavam melhores resultados em áreas como o vocabulário, a compreensão oral, a expressão escrita e até o raciocínio lógico e matemático (Kalb & van Ours, 2014). Estas conclusões reforçam a ideia de que ler em voz alta não serve apenas para “ensinar a ler” — trata-se de uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento global da criança.

Porém, para além dos benefícios académicos, há outros que, embora menos visíveis, são igualmente relevantes. A leitura em voz alta desenvolve empatia. Quando uma criança ouve a história de um personagem que enfrenta um desafio, sente medo ou celebra uma conquista, está a exercitar a sua capacidade de se colocar no lugar do outro. Está a aprender, sem que ninguém lhe diga diretamente, como lidar com emoções, como relacionar-se, como resolver conflitos. Através das histórias, a criança compreende melhor o mundo — e a si própria.

Michael Rosen, escritor e educador britânico, defende que “ler em voz alta é um ato de amor”. E é exatamente isso que muitas crianças sentem. Quando um pai, mãe, avó ou educador lê com expressividade, faz vozes diferentes para cada personagem, olha nos olhos da criança e responde às suas perguntas, está a construir algo mais do que conhecimento: está a reforçar o vínculo afetivo, a autoestima da criança e a sua perceção de ser importante e digna de atenção.

Infelizmente, à medida que os anos avançam, muitas famílias deixam de ler em voz alta. Há uma ideia errada de que esta prática se deve limitar à infância — até a criança “saber ler sozinha”. No entanto, especialistas afirmam que mesmo crianças que já leem de forma autónoma beneficiam da leitura em voz alta. Para além de permitirem o acesso a vocabulário mais rico (pois os livros ouvidos são muitas vezes mais desafiantes do que os livros lidos autonomamente), esses momentos continuam a alimentar o gosto pela leitura e a fortalecer a ligação entre adulto e criança. A psicóloga Catherine Snow, da Universidade de Harvard, destaca que “a leitura em voz alta é uma das ferramentas mais eficazes para promover o sucesso escolar — mas também o prazer pela linguagem e a relação com o outro”.

Em Portugal, a Direção-Geral da Educação tem vindo a reforçar esta mensagem, nomeadamente através do Plano Nacional de Leitura, que encoraja famílias a criar “rotinas de leitura partilhada” desde cedo. Não se trata de impor, mas de cultivar um hábito — uma prática que se torna natural, desejada e, acima de tudo, significativa.

Muitas vezes, pais e encarregados de educação sentem-se pouco confiantes ou acreditam que não têm “jeito para contar histórias”. Mas a verdade é que não é preciso ser ator ou professor para ter impacto. O que realmente importa é a presença, a atenção e o envolvimento. Mesmo uma leitura simples, feita com interesse, pode deixar uma marca profunda. Além disso, envolver a criança no processo — deixá-la escolher o livro, comentar a história, fazer perguntas — transforma a leitura num diálogo, e não num monólogo.

Outro aspeto importante é a consistência. Não é preciso ler durante longos períodos de tempo. Bastam 10 a 15 minutos por dia, com regularidade, para fazer a diferença. Pode ser antes de dormir, num momento calmo ao fim da tarde ou até durante uma viagem de carro, com audiolivros. O importante é que a leitura esteja presente na rotina familiar, como algo prazeroso e acessível.

É curioso observar como, nos dias de hoje, onde tantas famílias vivem em ambientes urbanos e acelerados, o simples ato de parar para ler uma história pode ser visto quase como um gesto contracorrente. Um tempo em que se desacelera, se escutam palavras com calma, se alimenta a imaginação. Um tempo sem notificações, sem interrupções digitais, onde o que importa é a partilha.

Há também benefícios para os adultos. Ler em voz alta convida-nos a parar, a ouvir, a observar reações, a entrar noutra realidade. Para muitos pais, é um momento de reconexão com a infância — com os livros que os marcaram, com o prazer da narrativa, com o poder transformador das palavras. É uma oportunidade de ensinar, sim, mas também de aprender.

Em suma, a leitura em voz alta é um gesto pequeno com um impacto profundo. Contribui para o desenvolvimento da linguagem, para a construção de vínculos afetivos, para o sucesso escolar e para a formação de leitores críticos e sensíveis. Mas mais do que tudo, é um momento de encontro. Um encontro entre histórias e pessoas, entre palavras e emoções, entre o agora e o que ficará para sempre.

Ler em voz alta é um presente. Um daqueles que não custa nada — mas vale tudo.


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